quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

"o corpo desta morte..." (a humanidade de Paulo)

NOTA DE INTRODUÇÃO
Diferentemente de Davi, que teve sua humanidade pecaminosa completamente exposta, as contradições da humanidade do apóstolo Paulo não é bem percebida quando se lê o Novo Testamento sob uma perspectiva exclusivamente devocional.

Não se pode dizer que Paulo era uma mentira, um oportunista de marca maior, mas podemos verificar que assim como Davi produziu uma vida a serviço de Deus sem esconder sua natureza, Paulo também permitiu que sua fosse registada pelo amigo Lucas e nas suas próprias cartas (consciente ou inconscientemente).

INTERLÚDIO I

Cerca de uma década após a morte de Jesus, estavam os apóstolos reunidos quando aparece aquele ex-perseguidor de cristãos, chamado Saulo de Tarso, dizendo que havia tido uma experiência com o Mestre a caminho de Damasco.

A partir de então os apóstolos da fé são obrigados a "engolir" este novo irmão e suas idéias contrárias àquelas pregadas pelos líderes da comunidade cristã em Jerusalém: Tiago, irmão de Jesus, Pedro e João.

Mas... o que sente Paulo pelos apóstolos? Que sentimento ele passa a desenvolver por aqueles que se consideravam os herdeiros da fé de Jesus, incumbidos da missão de dar continuidade aos seus ensinamentos?

INTERLÚDIO II

- Paulo se considera melhor do que os apóstolos: "São ministros de Cristo? Eu ainda mais..." (II Cor 11:22-23).

- Paulo demonstra desprezo pelos líderes da igreja em Jerusalém (Tiago, Pedro e João) ao citá-los, pejorativamente, como "os chamados pilares da Igreja" (Gal. 2:9), afirmando ainda que "estes (os apóstolos) que pareciam alguma coisa... em nada contribuíram a mim" (Gal. 2:6).

- Enquanto Jesus percorreu a Galiléia escolhendo seus apóstolos a dedo, Paulo se considerava o primeiro e maior dos apóstolo, recebendo diretamente de Jesus uma nova doutrina:"...aprouve a Deus, que desde o ventre de minha mãe me separou e me chamou pela sua graça, revelar seu Filho em mim, para que o pregasse entre os gentios." (Gal. 1:15-16).

- Paulo abomina completamente a Lei de Moisés e as práticas judaicas, a marca por excelência da nação de Israel: 2 Cor. 3:7-8, Filipenses 3:2.

- Enquanto Jesus afirmou que não veio ab-rogar a Lei ou os profetas, mas cumprir,  Paulo declara: "Porque o fim da lei é Cristo..." (Rom 10:4).

INTERLÚDIO III

A trajetória de Paulo no livro de Atos é tumultuada e contraditória em alguns momentos.

Apresentando-se como apóstolo de Cristo, ele comunga, por algum tempo, da companhia dos apóstolos até se sentir confortável a expor suas ideias anti-judaicas.

Sendo naturalmente rejeitado pela comunidade judaica, Paulo demonstra todo seu ódio e desprezo amaldiçoando-os e afirmando que, a partir dali, se dedicará exclusivamente a pregar aos gentios (At 18:6).

Mais tarde, sendo inquirido pela igreja em Jerusalém sobre sua "nova doutrina", Paulo dissimula acatar a repreensão de Tiago cumprindo o ritual da Lei de Moisés no Templo judeu. (At 21:22-26).

INTERLÚDIO IV

Paulo se auto-intitulou "apóstolo" de Cristo, apresentando, como "prova", seu próprio relato de que Jesus apareceu para ele a caminho de Damasco, de forma apoteótica, irresistível e teatral. 

Considerando o caráter de Paulo, podemos considerar a possibilidade de que teria inventado esta história para impor sua autoridade aos apóstolos e, futuramente, se sobrepor à eles aproveitando-se de seu refinado conhecimento em cultura mítica greco-romana.

Sendo educado, alfabetizado e gozando de privilégios entre os doutores do Templo, a quem servia antes de se converter, não é difícil imaginar o desprezo que sentiu por aqueles 12  "caipiras" judeus que se diziam sucessores da fé de Cristo.

A destruição completa de Jerusalém (70dC), dispersando aqueles "caipiras" e sua doutrina cristã-judaica, foi a oportunidade que a história lhe trouxe para difundir, sem oposição, suas novas ideias, banindo de uma vez por todas a veneração à Lei de Moisés além de 1000 anos de glórias e tradições vividas pelo povo de Israel.

INTERLÚDIO FINAL

Anos depois, amadurecido e acomodado em Roma, Paulo para e reflete sua trajetória de vida e sua relação com a extinta igreja em Jerusalém. É quando sua consciência o leva a declarar: "miserável homem que sou. Quem me livrará do corpo desta morte!"

Já seria tarde demais? Pedro seria declarado sucessor ao trono de Cristo e um movimento antissemítico estava em curso para sepultar de vez a religião de Israel e institucionalizar a fé, transformando-a, três séculos depois, em um instrumento de poder e manipulação.



terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Extra! Extra: uma nova pista!

Nesta nossa trajetória em busca da essência da fé, nos deparamos com uma nova pista.

Além do Livro de Atos, que nos conduz aos primórdios da fé dos primeiros seguidores de Jesus (logo chamados de cristãos), também o livro de Tiago nos trás uma importante pista. Por que?


Tiago se tornou o líder dos apóstolos na nascente comunidade de Jerusalém, natural sucessor de Jesus (a despeito de a igreja ortodoxa romana afirmar, convenientemente, que teria sido Pedro o sucessor de Cristo).

Sendo irmão de Jesus, Tiago compartilhou de sua vida, seu pensamento, suas palavras, de tal maneira que, naturalmente, se tornou um líder respeitado nesta comunidade.

O livro de Atos aponta para Tiago como aquele que defende os princípios da comunidade em Jerusalém. Ele não se deixa envolver pelos argumentos de Paulo sobre a salvação pela fé sem as obras da Lei, pelo contrário, é um inflexível defensor de uma doutrina judaica-cristã, segundo alguns, aquela que Jesus teria defendido.

Atos expõe claramente àqueles que se propõem a estudá-lo historicamente, o caráter rebelde, vingativo, rancoroso, dissimulado e intransigente de Paulo.("O corpo da sua morte" que ele tinha que carregar consigo, apesar de convertido?)

Sua formação culta (quando os apóstolos eram analfabetos) e o fato de ter explorado a linguagem escrita (em oposição à linguagem simplesmente oral dos apóstolos) lhe trouxeram enormes vantagens para que suas idéias se sobrepusessem às dos apóstolos, principalmente após a morte de seu líder maior, Tiago (62dC), e a destruição completa de Jerusalém (70dC) quando as assembleias em Jerusalém foram dispersas e os princípios defendidos pelos apóstolos pulverizados uma vez para sempre.

Tiago resistiu a Paulo, tentando dissuadi-lo  de continuar pregando o abandono completo do judaísmo por aqueles que se convertiam ao Cristo, conceito este que Paulo intensificou após ser rejeitado pelas comunidades de cristãos-judeus por onde passava, após afirmar ressentido: "O vosso sangue seja sobre a vossa cabeça; eu estou limpo e, desde agora, parto para os gentios." At. 18:6

Podemos perceber que, no primeiro século, havia uma espécie de "guerra fria" entre as idéias de Tiago e as idéias de Paulo.

Enquanto Paulo escrevia às comunidades exortando que "a salvação é pela graça sem as obras da lei", Tiago enviava pastores à estas comunidades exortando a tomarem cuidado com aqueles que ensinavam uma doutrina diferente daquela que a comunidade de Jerusalém ensinava, afirmando que "a fé sem obras é morta".

Para finalizar, uma pista importante: diante do conceito e do valor que tinha Tiago para a igreja de Jerusalém e para as primeiras comunidades cristãs no I século, Paulo se retratou publicamente! (Atos 21: 17-26).






sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Breve leitura

Estou concluindo a seguinte leitura:


O autor iraniano Reza Aslan defende a tese de que Jesus, além da dimensão religiosa, foi também um revolucionário no campo social, político e econômico, perspectiva essa que lhe foi negada pelos autores evangélicos na expectativa de fugir de confrontar as novas comunidades cristãs com as autoridades romanas, o que foi bastante conveniente às aspirações do imperador Constantino para consolidação e expansão de seu poder.

Ele defende sua tese a partir da declaração de Jesus: "Não cuideis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada." (Mateus 10:34)

Vivendo uma época em que o subjugado povo judeu era explorado tanto pelo cruel império romano quanto pela corrupta elite sacerdotal do Templo, Jesus não teria sido insensível ao sofrimento do seu povo quando afirmou, por exemplo: "Bem aventurado os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos." (Mateus 5:6)

Desta forma, segundo o autor, a pregação de Jesus era pelo estabelecimento do Reino de Deus sob uma perspectiva não espiritual, distante, mas sob uma perspectiva factual, messiânica e contemporânea ("Em verdade vos digo que, dos que aqui estão, alguns há que não provarão a morte sem que vejam chegado o Reino de Deus com poder." Marcos 9:1).