domingo, 13 de abril de 2014

Gêneses, uma interpretação alternativa



A leitura tradicional do capítulo 3 do Gêneses ("A tentação de Eva e a queda do homem") nos remete ao Pecado Original: o homem desobedeceu a Deus e foi irremediavelmente expulso do paraíso.

Porém não era desta forma que os antigos interpretavam este relato.

O Gêneses não foi concebido para ser um relato factual, mas um mito a ser ritualizado nas gerações posteriores.

Não significa, em absoluto, que seja uma farsa, uma mentira deliberadamente concebida para enganar (como na interpretação moderna que se faz das leituras dos textos antigos), mas contém uma verdade profunda que dava sentido e propósito a uma crença coletiva.

O mito era a forma como os antigos não apenas faziam a leitura da realidade à sua volta, mas também como estavam inseridos nesta realidade.

O mito não era para ser acreditado, mas para ser vivido, incorporado, celebrado, a própria essência de uma cultura, seu conceito acerca da vida, do sofrimento, da morte. Era o mito que expressava algum propósito para a vida dos povos antigos naquilo que o logos (racional) não conseguia explicar.

O mito da criação, em Gêneses, era concebido como uma celebração da presença do criador entre os homens: Deus passeia no jardim... como um mortal, um igual.

Os antigos não acreditavam em um Deus no Céu, distante, separado de sua criatura, mas aquele com quem se podia falar face-a-face (no sentido da devoção, é claro).

O capítulo 18 de Gênesis relata um encontro entre Abraão e três varões, quando estava sentado à porta de sua tenda. Estes varões vinham  de uma longa jornada e Abraão os convida a descansar e comer. No decorrer da conversa, vem a grande revelação: um deles era o próprio Senhor, o Deus de Abraão. Um gesto de compaixão leva Abraão a ter um encontro com o divino.

O mito de Adão e Eva pode ser interpretado como o relato da natureza humana: a serpente representa a rebeldia, a compulsão para questionar; Eva representa a sede por conhecimento, a disposição em experimentar, a busca por uma vida livre de restrições; Adão demonstra nossa capacidade em não assumir responsabilidade por nossos atos.

Apenas com o advento do cristianismo a história de Adão e Eva passou a ser interpretado como sendo a teologia do Pecado Original. Uma interpretação muito a propósito do novo sistema institucional a quem interessava separar definitivamente Deus da Sua criação.

O homem, pecador, perdido, irreconciliável, passou a ser refém dos favores da igreja oficial (agência de Deus na terra) para obter algum conforto espiritual durante a sua vida miserável.

As consequências deste ato todos conhecem.


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