NOTA DE INTRODUÇÃO
Diferentemente de Davi, que teve sua humanidade pecaminosa completamente exposta, as contradições da humanidade do apóstolo Paulo não é bem percebida quando se lê o Novo Testamento sob uma perspectiva exclusivamente devocional.
Não se pode dizer que Paulo era uma mentira, um oportunista de marca maior, mas podemos verificar que assim como Davi produziu uma vida a serviço de Deus sem esconder sua natureza, Paulo também permitiu que sua fosse registada pelo amigo Lucas e nas suas próprias cartas (consciente ou inconscientemente).
INTERLÚDIO I
Cerca de uma década após a morte de Jesus, estavam os apóstolos reunidos quando aparece aquele ex-perseguidor de cristãos, chamado Saulo de Tarso, dizendo que havia tido uma experiência com o Mestre a caminho de Damasco.
A partir de então os apóstolos da fé são obrigados a "engolir" este novo irmão e suas idéias contrárias àquelas pregadas pelos líderes da comunidade cristã em Jerusalém: Tiago, irmão de Jesus, Pedro e João.
Mas... o que sente Paulo pelos apóstolos? Que sentimento ele passa a desenvolver por aqueles que se consideravam os herdeiros da fé de Jesus, incumbidos da missão de dar continuidade aos seus ensinamentos?
INTERLÚDIO II
- Paulo se considera melhor do que os apóstolos: "São ministros de Cristo? Eu ainda mais..." (II Cor 11:22-23).
- Paulo demonstra desprezo pelos líderes da igreja em Jerusalém (Tiago, Pedro e João) ao citá-los, pejorativamente, como "os chamados pilares da Igreja" (Gal. 2:9), afirmando ainda que "estes (os apóstolos) que pareciam alguma coisa... em nada contribuíram a mim" (Gal. 2:6).
- Enquanto Jesus percorreu a Galiléia escolhendo seus apóstolos a dedo, Paulo se considerava o primeiro e maior dos apóstolo, recebendo diretamente de Jesus uma nova doutrina:"...aprouve a Deus, que desde o ventre de minha mãe me separou e me chamou pela sua graça, revelar seu Filho em mim, para que o pregasse entre os gentios." (Gal. 1:15-16).
- Paulo abomina completamente a Lei de Moisés e as práticas judaicas, a marca por excelência da nação de Israel: 2 Cor. 3:7-8, Filipenses 3:2.
- Enquanto Jesus afirmou que não veio ab-rogar a Lei ou os profetas, mas cumprir, Paulo declara: "Porque o fim da lei é Cristo..." (Rom 10:4).
INTERLÚDIO III
A trajetória de Paulo no livro de Atos é tumultuada e contraditória em alguns momentos.
Apresentando-se como apóstolo de Cristo, ele comunga, por algum tempo, da companhia dos apóstolos até se sentir confortável a expor suas ideias anti-judaicas.
Sendo naturalmente rejeitado pela comunidade judaica, Paulo demonstra todo seu ódio e desprezo amaldiçoando-os e afirmando que, a partir dali, se dedicará exclusivamente a pregar aos gentios (At 18:6).
Mais tarde, sendo inquirido pela igreja em Jerusalém sobre sua "nova doutrina", Paulo dissimula acatar a repreensão de Tiago cumprindo o ritual da Lei de Moisés no Templo judeu. (At 21:22-26).
INTERLÚDIO IV
Paulo se auto-intitulou "apóstolo" de Cristo, apresentando, como "prova", seu próprio relato de que Jesus apareceu para ele a caminho de Damasco, de forma apoteótica, irresistível e teatral.
Considerando o caráter de Paulo, podemos considerar a possibilidade de que teria inventado esta história para impor sua autoridade aos apóstolos e, futuramente, se sobrepor à eles aproveitando-se de seu refinado conhecimento em cultura mítica greco-romana.
Sendo educado, alfabetizado e gozando de privilégios entre os doutores do Templo, a quem servia antes de se converter, não é difícil imaginar o desprezo que sentiu por aqueles 12 "caipiras" judeus que se diziam sucessores da fé de Cristo.
A destruição completa de Jerusalém (70dC), dispersando aqueles "caipiras" e sua doutrina cristã-judaica, foi a oportunidade que a história lhe trouxe para difundir, sem oposição, suas novas ideias, banindo de uma vez por todas a veneração à Lei de Moisés além de 1000 anos de glórias e tradições vividas pelo povo de Israel.
INTERLÚDIO FINAL
Anos depois, amadurecido e acomodado em Roma, Paulo para e reflete sua trajetória de vida e sua relação com a extinta igreja em Jerusalém. É quando sua consciência o leva a declarar: "miserável homem que sou. Quem me livrará do corpo desta morte!"
Já seria tarde demais? Pedro seria declarado sucessor ao trono de Cristo e um movimento antissemítico estava em curso para sepultar de vez a religião de Israel e institucionalizar a fé, transformando-a, três séculos depois, em um instrumento de poder e manipulação.