quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Essência da vida

Salomão, a quem se atribui ter escrito o livro de Eclesiastes, afirma:
"... não há limites para fazer livros... (Ecl. 12:12).

E ainda: "De tudo o que se tem ouvido, o fim é: teme a Deus e guarda os seus mandamentos; porque este é o dever de todo homem." (Ecl. 12:13).

O homem tem um caminho e um dever: seu caminho não tem limites, porque o conhecimento não tem fim; seu dever é a busca incessante e incansável pela essência da vida, e essa busca só pode acontecer fora se si mesmo, além das coisas que são visíveis.

O homem foi feito para CAMINHAR... caminhar sempre, sem nunca parar diante de "verdades" ditas como absolutas, imutáveis e inquestionáveis. É no caminhar que consiste o sentido da vida, e não no chegar em algum lugar.

Assim o filósofo grego contemporâneo, Nikos Kazantizakis expressou sua busca:

"Por uma só coisa anseio:
aprender o que se esconde atrás dos fenômenos;
desvendar o mistério que me dá a vida e a morte;
saber se uma presença invisível e imota se esconde além do fluxo visível e incessante do mundo.

Pergunto e torno a perguntar, golpeando o caos:
quem nos planta nessa terra sem pedir licença?
Quem nos arranca da terra sem nos pedir licença?

Sou uma criatura fraca e efêmera, feita de barro e sonhos.
Mas sinto em mim o turbilhonar de todas as forças do Universo.
Antes de ser despedaçado, quero ter um instante para abrir os olhos e ver.
Minha vida não tem outro objetivo.

Quero achar uma razão de viver, de suportar o terrível espetáculo diário da doença,
da fealdade, da injustiça e da morte.
Vim de um lugar obscuro, o Útero;
vou para outro lugar obscuro, a Sepultura.

Uma força me atira para fora do abismo negro;
outra força me impele irresistivelmente para dentro dele."

(KEVITZ, Ed René, Vivendo Com Propósitos, Ed. Mundo Cristão, p. 3.)





sábado, 27 de setembro de 2014

Recontextualização

"Teologia Bíblica
Como outras disciplinas dentro dos estudos bíblicos, a teologia bíblica possui uma história complexa e controvertida.[71] Krister Stendahl, o ex-reitor da Harvard Divinity School, num artigo bastante citado do The Interpreter’s Dictionary of the Bible, afirma que os estudiosos deveriam distinguir entre “o que significou e o que significa”.[72] O pano de fundo de tal afirmação foi a conclusão de Stendahl de que a Bíblia é tão estranha à nossa cultura que somente a reinterpretação poderia mante-la viva. Jon Levenson também defende a legitimidade da “recontextualização” e da “reapropriação”, que afirma que um texto pode e deveria significar seja lá o que for que uma comunidade religiosa precise que ele signifique para se manter viva. Para Levenson, a recontextualização é legítima mesmo quando contradiz o que um autor pretendeu dizer a princípio."

http://rebeldiametafisica.wordpress.com/2013/01/31/por-que-os-estudos-biblicos-devem-terminar-critica-literaria-e-teologia-biblica/

domingo, 7 de setembro de 2014

A Escritura - Tradição Oral

Karen afirma:

"As Escrituras judaicas e o Novo Testamento começaram ambos como proclamações orais, e mesmo depois que foram postos por escrito (após o século VII a.C. com o movimento deuteronomista do rei Josias), restava muitas vezes uma tendência à palavra falada, presente em outras tradições."

Assim nasceu a bíblia: uma tradição oral que era passada de geração em geração sem, obviamente, qualquer compromisso com exatidão ou comprovação de fatos, apenas verdades sendo incutidas nas gerações posteriores com o fim de fomentar o nacionalismo e a religiosidade da nação israelense.

Karen continua:

"(...) as pessoas temiam que Escrituras "escritas" estimulassem a inflexibilidade e a certeza irrealista, estridente. O Conhecimento religioso não pode ser comunicado, como outras informações, pelo simples exame da página sagrada."

Quando a tradição oral de Israel passou a ser colocado no "papel", ela deixou de ser uma expressão de transcendência religiosa e passou a ser um documento, um contrato, frio e inflexível. Isto, certamente, introduziu, na religião, um conceito com o qual ninguém se preocupara antes: se o que está escrito é verdade ou não, é fato ou mito.

Esta passagem (da tradição oral para a escrita) não agradou a muitos anciãos de Israel. Um deles escreve, no século VII a.C., contemporâneo ao rei Josias, o seguinte:

"Como, pois, dizeis: Nós somos sábios, a lei do Senhor está conosco? Eis que em vão tem trabalhado a falsa pena dos escribas.
Os sábios foram envergonhados, foram espantados e presos; eis que rejeitaram a palavra do Senhor; que sabedoria, pois, teriam?"

Este ancião chamava-se Jeremias (o profetas). Seu protesto encontra-se em Jer. 8:8,9.

A velha máxima "vale o que está escrito" não deve ser aplicado à Palavra de Deus. Quando Jeremias protesta contra o escrever a revelação, ele quer dizer que a revelação divina é sempre contemporânea, atende a aspirações na geração que a busca, envia uma promessa que vai ao encontro dos anseios reais daquele povo naquele tempo, e portanto não deveria ser congelado na escrita para que futuras gerações fossem obrigadas a crer em promessas que já não se aplicam à sua época.

Assim eram os profetas: proclamavam dos montes e oiteiros, jamais mandavam carta ou bilhete. 

Da mesma forma os evangelhos e as cartas paulinas: não foram escritas para serem adoradas. Os seus autores jamais pensaram que dois séculos depois eles seriam considerados sagrados ou infalíveis.Eles escreveram para a sua época, direcionado às pessoas certas, aos problemas específicos. Foram escritos para orientar os novos cristãos, dar-lhes um ponto de partida na caminhada da nova "seita". A teologia foi fundada em torno destes escritos, e não estes escrito é que fundaram a teologia, ou seja, Paulo não fundou uma teologia, a teologia é que foi elaborada, ao longo de vários séculos posteriores, em torno das simples cartas paulinas.Uma diferença fundamental. 



Karen Armstrong, A Bíblia (uma biografia), p. 9/10, 29.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

As Escrituras vivas

Com a palavra, a escritora Karen Armstrong:

"Desde o princípio, autores bíblicos sentiram-se livres para rever os textos que haviam herdado e deram-lhes significados inteiramente diferentes. Exegetas posteriores apresentaram a Bíblia como um modelo para os problemas de seu tempo".


A Bíblia é a expressão da verdade, portanto não pode ser engessada por uma teologia dogmática e inquestionável, como costumam pregar as igrejas mais interessadas em perpetuar o status hierárquico de sua doutrina a discutir formas atuais de rever os princípios das Escrituras Sagradas.


Continuando com Karen:


"A Bíblia "provava" ser sagrada porque as pessoas descobriam continuamente novos meios de interpretá-la e julgavam que esse conjunto difícil e antigo de documentos lançava luz sobre situações que seus autores originais jamais poderiam ter imaginado. A revelação era um processo incessante; não ficava confinada a uma teofania (manifestação divina) distante no monte Sinai; exegetas continuavam a tornar a Palavra de Deus audível em cada geração."


As Escrituras são inspiradas não porque contêm elementos sobrenaturais ou fórmulas mágicas, mas porque podem ser interpretadas no tempo e no espaço sociocultural que a contém. Os judeus buscavam interpretar a ação de Deus à luz da revelação, criando, a partir dai, novos rumos e interpretações que mantiveram o povo unido, ao londo de tantos séculos, pela fé em Javeh.


Gosto muito do versículo "EM TUDO DAI GRAÇAS". Não significa que, ao recitá-lo, Deus vai intervir "poderosamente" em uma situação desfavorável, mas o simples pensamento e reflexão sobre estas palavras bíblicas sempre me trouxe plenitude e paz interior pelo qual jamais duvidei que estas palavras fossem inspiradas por Ele.


Finalizando com Karen:


"Quando o templo dos judeus foi destruído (primeiramente pelos babilônios, em 586a.C. e depois pelos romanos em 70d.C.), eles tiveram de encontrar uma nova maneira de descobrir shalom (completude que traz a paz) num mundo trágico  e violento (...) a cada vez a destruição levou a um intenso período de atividade de Escritura, à medida que eles procuravam a cura e a harmonia nos documentos que se tornariam a Bíblia."


Armstrong, Karen, A Bíblia (Uma Biografia), p. 11/13.


Conheça a escritora numa palestra intitulada "A perdida arte do diálogo" :


https://www.youtube.com/watch?v=Y_aRxiFJEVk



domingo, 31 de agosto de 2014

Apenas um talvez...

Talvez a renovação da fé necessite dos seguintes passos:

1.Acreditar que Deus é uma presença real (porém  um Deus vivido a cada dia no milagre da vida e das oportunidades que se nos oferece e não um Deus antropomórfico - que ama, odeia, se vinga, mata, se arrepende, faz accepção de um povo em detrimento aos outros - ou um Deus maniqueísta - que castiga os maus e dá presentes aos bons a partir de uma natureza criada a partir de si mesmo, sua imagem e semelhança).

2.Aproveitar as velhas tradições bíblicas, e de outras formas de apreender Deus - como as religiões orientais - e evoluir no pleno conhecimento da essência divina, descartando os preconceitos que fazem  com que as religiões "reveladas" - cristianismo, judaísmo, islamismo -  se transformem em bunkers (casamatas) contra as que professam diferentes formas de adoração.

3.Partir do princípio real do cristianismo baseado nas atitudes e palavras de Jesus, e não na interpretação de Paulo (amigo de Roma, e que criou uma doutrina para alçar aquela nova fé no Homem de Nazaré à condição de religião universal, bem ao gosto das pretensões imperialistas romanas, posteriormente manipulada, com muita habilidade, pelo imperador Constantino ao transformar o "caminho" numa estrutura de poder e dominação.

4.Acreditar que Jesus nos trouxe uma mensagem real de compaixão, solidariedade e fé, e que com esta mensagem extremamente simples ele transformou o pensamento e as atitudes de sua época (tão simples era esta mensagem que  Paulo e João evangelista precisaram carregar numa teologia grandiosa, diferente da vida simples levada por Jesus e bem ao gosto do pensamento imperialista dominante, transformando-o em: Verbo e Filho de Deus, Absoluto, Magnífico, Príncipe, Rei, Salvador, o próprio Deus na Trindade, o Ressurreto - que venceu a morte, Aquele que está "à destra de Deus" e reina eternamente...). Não é difícil perceber a semelhança com o culto ao "divino" César e divindades pagãs da época - na estrutura e na inspiração.

5.Crer que Jesus nos deixou a mensagem de que Deus é real (quando na sua época só o que havia era desesperança e desespero) e que para se chegar à Ele é necessário simplesmente um "NOVO NASCIMENTO", da água (pureza, nos propósitos, nas atitudes e no tratamento) e do Espírito (compromisso real com Deus, disposição em mudar, em se transformar em alguém útil ao próximo - e consequentemente à sociedade).

Alerta: estes passos, aparentemente simplórios, são mais difíceis de se viver do que simplesmente aceitar a velha fórmula de salvação pela graça ensinada por Paulo. Talvez por isso os apóstolos, após a morte do mestre, vinculavam a salvação aos "frutos do Espírito" - que são obras, atitudes - e não a uma fé simples e, muitas vezes, descompromissada.

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Experiência da morte


No livro de Eclesiastes está escrito: "Quem sabe que o fôlego do homem vai para cima e o dos animais vai para baixo da Terra?" (Ecl. 3:21).

Recentemente vivi uma experiência de "quase morte". 
Me submeti a uma intervenção clínica e precisei ser totalmente sedado.
Após receber a injeção com o sedativo tentei ficar o mais alerta possível para perceber o momento em que ia entrar no sono profundo. Não consegui.
Cerca de uma hora depois estava acordando aos poucos, zonzo, recobrando a consciência.
Impressionante este lapso de tempo em que NADA passou a existir para mim!
Eu mesmo, enquanto consciência, deixei de existir!
O tempo e o lugar deixaram de existir!
Enquanto as pessoas circulavam ao redor do meu corpo, eu simplesmente NÃO ESTAVA LÁ!
Eu estava em LUGAR NENHUM. Era como se nunca tivesse nascido.

Cristo ressuscitou!

Segundo Paulo, esta é a esperança da nossa fé. "Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa fé e a nossa pregação", afirmou.

Biologicamente o processo de ressuscitação é algo antinatural. As intervenções no corpo para uma restauração completa (e complexa) dos sistemas biológicos é algo que hoje só é possível de acreditar negando-se todo e qualquer saber humano na área da ciência.

Os judeus acreditavam na ressurreição do Estado Judeu (o vale dos ossos secos no livro de Ezequiel), não na ressurreição do corpo individual.

Foram os gregos que introduziram a noção de que o homem é composto de corpo e alma como unidades distintas (ainda que interligadas) e que a alma tem vida eterna.

Posteriormente uma seita judaica, a dos fariseus, incorporou a noção da ressureição pós morte (em oposição a outra seita - a dos saduceus - que não acreditavam).

Jesus, judeu confesso, Aquele que veio para "as ovelhas perdidas da casa de Israel", trouxe uma mensagem de ressurreição espiritual para o povo judeu baseado no estabelecimento do esperado (pelos judeus) Reino de Deus na Terra, não em um lugar distante, mas AQUI e AGORA: "dos que aqui estão alguns não provarão a morte antes que vejam vir o Reino de Deus".

Há uma parábola interessante na Bíblia (João capítulo 3): o encontro
de Jesus e o "mestre" Nicodemos.

Nicodemos quer saber como herdar o Reino de Deus. Jesus afirma: "Na verdade te digo que aquele que não nascer de novo não pode ver o Reino de Deus" (João 3:3).

Seria um caso de ressurreição do corpo? Entrar no ventre da mãe e voltar a ser um bebezinho?

Se a história, relatada por João, terminasse aqui, certamente estaríamos especulando hoje se este "novo nascimento" enseja um ato sobrenatural: voltar a ser bebê.

Mas João continua com o relato e então ficamos sabendo que Jesus estava usando uma parábola (alegoria) para falar de coisas espirituais, e não terrenas.

Diante da ingenuidade de Nicodemos Jesus, pacientemente e cheio de compaixão, explica: "Na verdade te digo que aquele que não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus" (3:5).

Não era sobre coisas sobrenaturais que Jesus falava, mas espirituais.

Novo nascimento, assim como ressurreição, são processos espirituais: a água significa a pureza, o Espírito a renovação do velho homem a partir de uma relação íntima com Deus.

Não é Cristo quem precisa ressuscitar, mas NÓS (assim como não é Cristo quem precisa nascer de novo).

Ainda que pacientemente, Jesus ironiza aquele homem culto, devoto, porém tolo: "Tu és MESTRE de Israel e não sabes disso?" (3:10)...

JESUS NÃO INSULTA NOSSA INTELIGÊNCIA.

Acreditar que um homem pode ressuscitar em corpo após a morte é o mesmo que acreditar que ele pode nascer de novo voltando ao útero materno.

Jesus poderia estar nos dizendo: Vocês são tão inteligentes, avançaram tanto nas ciência, no conhecimento biológico do processo da vida e da morte, e ainda acreditam nisto?

Há outra história para ainda entender melhor: No livro de Mateus, o autor afirma que "as estrelas e o sol cairão..." na vinda do Filho do Homem.

Para um homem de sua época, acostumado a ver o sol "cair", se "levantar" e fazer uma órbita circular sobre sua cabeça todos os dias, nada mais natural que acreditar que o sol está preso por algum fio invisível no céu e que um dia esse fio possa se romper e ele, literalmente, caia.

Copérnico (e posteriormente Galileu) mostraram à igreja que a Terra não é o centro do universo e que também não é o sol que gira em torno da Terra

Não fazia mais sentido afirmar que o sol se move no firmamento em relação à Terra, pois é justamente o contrário.

Se o autor de Mateus fosse fazer uma revisão de seu texto nos dias de hoje, certamente não desprezaria esta importante descoberta científica.







domingo, 20 de julho de 2014

Adão e Eva foram criados antes ou depois dos dinossauros?

Adão e Eva viveram antes ou depois dos dinossauros?

Minha filha, de 13 anos, me surpreendeu com esta difícil pergunta.

Durante minha vida ativa como membro de igreja sempre acreditei que o que estava escrito na bíblia aconteceu exatamente como relatado. A fé dos crentes que praticam uma denominação depende fundamentalmente disto.

Uma vez que os cristãos são, por princípio dogmático, proibidos de considerar outras formas de interpretarem a bíblia para crer cegamente na tradição exatamente como sempre fizeram os judeus (apesar de Jesus ter afirmado que "o Espírito sopra ONDE QUER"), é muito constrangedor se continuar afirmando que as histórias bíblicas são tratados de fatos e eventos documentais.

Isso apenas contribui para aumentar o abismo entre ciência e fé pois pressupõe que um cientista não pode ser um homem de fé e nem um cristão acatar as descobertas científicas (principalmente no campo da arqueologia que muito tem contribuído para novas descobertas no campo da história dos povos antigos).

Sabe-se, hoje, que os épicos bíblicos tiveram como base e referência elementos históricos da época em que foram escritos (as cidades, os costumes dos povos, a geografia local, etc) e a partir dai foram construídas para formar uma consciência religiosa e nacionalista com o intuito de colocar o povo de Israel no centro das expectativas e atenções do mundo (como o é até os dias de hoje).

Podemos colocar nesta categoria as histórias do Gênese, o Êxodo, a conquista de Canaã por Josué, os Juízes (Sansão), etc.

Voltemos a Adão, Eva e os dinossauros.


Os cientistas colocam o início da formação do planeta Terra em torno de 4,5 bilhões de anos.


O aparecimento dos dinossauros teria sido em torno de 230 milhões de anos até sua extinção repentina a 144 milhões.



De acordo com a ciência, o gênero HOMO apareceu em torno de 4 a 1 milhão de anos, porém as etapas consideradas evolutivas teriam acontecido a partir de 500 mil a 8 mil (Idade da Pedra Lascada - Paleolítico), 8.000 a 5.000 anos (Nova Idade da Pedra - Neolítico) e 5.000 a 4.000 anos (Idade dos Metais). A partir dai termina a pré-história para ter início a expressão da linguagem escrita, a história propriamente dita (começo das civilizações sumérias e caldeias na região da Mesopotâmia).

Do lado da bíblia, calculando-se o surgimento de Adão e Eva a partir das genealogias, teríamos que Deus criou o homem a aproximadamente 6.000 anos atrás.

Se tentarmos conciliar os dois relatos (o científico e o bíblico) teremos que o homem foi criado (biblicamente) naquele período em que a ciência afirma que já começava a manusear os metais (fabricação de utensílios e armas), domesticar animais (não mais viver exclusivamente da caça e pesca) e mudança de uma cultura nômade (tribal) para sedentária (concentração de pequenas populações em cidades, domínio da agricultura e noções de organização e hierarquia como forma de sobrevivência em grupo).

Parece, diante do exposto, que somos obrigados a tomar uma posição diante de duas explicações tão conflitantes sobre a orgiem do homem na Terra. Isso levanta a velha rixa entre os criacionistas (cristãos) e os evolucionistas (ou darwinistas), discípulos do naturalista inglês  Charles Darwin (século XIX).

Voltando à pergunta (se Adão e Eva foram criados antes ou depois dos dinossauros), me pareceu mais honesto, em respeito à VERDADE, responder que ciência e religião são campos distintos e por isso não há como comparar datas, eventos e teorias. Disciplinas diferentes não podem ser tratadas como iguais.

A VERDADE da criação de Adão e Eva expressa uma fé em que o homem foi criado à imagem e semelhança de seu criador, o Senhor Deus, único, verdadeiro, suficiente em si mesmo.

A VERDADE da ciência se baseia em estudos arqueológicos, pesquisa de laboratório, relatos de textos históricos antigos, costume, cultura, habitat dos povos antigos no contexto das eras geológicas.

A religião se preocupa exclusivamente (ou deveria) em responder DE ONDE VIM, O QUE ESTOU FAZENDO AQUI E PARA ONDE VOU, a ciência em responder O QUE ESTIVEMOS FAZENDO, DE FATO, DURANTE ESTE PERÍODO.

O cristianismo atual deve aceitar as histórias bíblicas como verdades em si mesmas, sem a necessidade de comprovação científica como se fosse um documento necessitando de aval e autenticação para ter "fé pública". Os que pensam assim, de fato, não creem que a bíblia é A VERDADE suficiente e fiel naquilo em que se propõe a ensinar: que Deus está presente (e sempre esteve) na história da criação (religião) e evolução (ciência) da humanidade.

À parte a discussão religiosa sobre a essência de Deus (dos judeus, dos cristãos, dos budistas, dos espiritualistas), e todo antropoformismo que carregue, a VERDADE é que ELE É (usando uma expressão particularmente bíblica), foi percebido e apreendido em todas as era, em todas as culturas por aquilo que representou (e ainda representa) para a sobrevivência do homem, e graças a esta VERDADE evoluímos da barbárie para a civilidade criando leis, ética, respeito, organização e, o mais importante, perspectivas para um FUTURO CADA VEZ MELHOR.

A ciência nos faz viver mais e com mais conforto, a religião nos dá segurança de que há um sentido em viver, a despeito de qualquer evidência contrária.












quinta-feira, 3 de julho de 2014

Mithos religiosus

Religião e mitologia se confundem.
Não sei se é correto afirmar que religião É mitologia, mas parece não está muito longe disso.

Mitologia sempre expressou aquilo que o LOGOS (conhecimento, certeza, fato) não podia satisfazer.
O homem é um ser MYTHOS (sentimento, alma, fé), e portanto é natural que sempre tenha recorrido a símbolos mitológicos para expressar sua insuficiência diante dos fenômenos transcendentes (a morte, a perda, o sofrimento, a busca de sentido para a existência).

Após alguns milhares de anos ainda somos seres que procuram símbolos míticos para expressar sentimento. 

Porém nada há de errado com a mitologia. O que mudou foi a maneira como o mundo passou a interpretar a coisa.

Até o século XV as pessoas celebravam a mitologia não como uma verdade a ser crida, mas como uma expressão de seu ser religioso diante do TODO incompreensível, insondável, Àquele que era percebido no mais recôndito da experiência humana, tanto coletivamente quanto pessoal. Realidade e mitologia estavam intimamente atados. O dia a dia das pessoas era um ritual aos deuses que sustentavam a vida em sua plenitude e davam sentido a cada expressão da atividade humana.

Foi à partir deste século, porém, que a visão de mundo se modificou (e com ela a visão sobre religião).

As descobertas científicas iniciaram um rompimento entre mitologia e realidade de forma indelével. Criou-se o conceito formal de VERDADE associado apenas a fatos que pudessem ser cientificamente comprovados. Esse processo se consolidou com a inauguração da imprensa escrita: colocados no papel, documentalmente, as histórias tinham que ser aferidos, comprovados. Havia, agora, um compromisso com a nova sociedade tecnicista e comercial, onde as formas de se relacionar passavam a ser firmadas através de contratos  registrados em cartório para que pudessem "ter fé".

Essa nova visão além de destruir o sentido ritualizado e simbólico da religião, inaugurou uma nova postura frente à religião e que persiste até hoje:  

1.O crente precisa CRER que aquilo que ele lê na bíblia é uma verdade factual (aconteceram DE FATO), caso contrário está indo de encontro à verdade;

2.O cético que passou a depreciar as histórias bíblicas como nocivos a uma sociedade que não pode continuar acreditando em lendas e mentiras se quiser progredir tecnologicamente rumo a uma religiosidade utilitária.  

Tanto um quanto o outro ponto de vista são posturas essencialmente infantis diante de um contexto muito maior que qualquer compreensão que possamos ter sobre temas transcendentes (Deus, vida eterna, morte).

Religião é CAMINHO (Atos 19:9, 23; 22:4; 24;14), não um fim em si mesmo, algo sobre o qual devemos ter expectativas presente ou futura no sentido literal.

Quando os símbolos religiosos passam a ser sacralizados como verdades absolutas e imutáveis, também passam a ser idolatrados. Como consequência Deus, na sua suficiente incompreensão, passa a ser antropomorfizado e adorado como qualquer ídolo das antigas civilizações. Adorar Deus não satisfaz o Seu ego (ainda que este conceito seja mais uma antropomorfização), mas o nosso. 

Religião é para ser ritualizada (não como fato, mas como verdade da alma), vivida, praticada com atos de solidariedade, compreensão e amor.

Se era intensão de Jesus ser adorado como Deus teria ele nascido em uma manjedoura, comido com os pecadores, vivido com um humilde carpinteiro em uma cidadezinha pobre, padecido como um ladrão e morrido como um pária? 

Séculos de barbaridades cometidas "em nome de Deus" demonstram que durante este período tivemos mais "adoradores de Deus" do que praticantes e ouvintes de seus ensinamentos: muitos estão dispostos a adorá-lo, mas poucos a ouví-lo.










quarta-feira, 21 de maio de 2014

Busca pessoal

Deus vem se tornando cada dia, em minha busca pessoal, uma realidade mais presente.

Há uma grande frase que diz: "é preciso esvaziar o que está cheio, e encher o que está vazio".

Estamos completamente impregnados de dogmas, "verdades" inquestionáveis, doutrinas que nos acorrentaram a velhos símbolos do passado religioso e a interesses os mais difusos e inconfessáveis possíveis.

Infelizmente, para os cristãos atuais, é pouco as palavras de Jesus; palavras autênticas de amor ao próximo e a Deus a partir de um novo nascimento, pessoal, livre... um auto-compromisso em amor perene.

A humanidade é criadora de ídolos.

Ao invés de reconhecer Deus nas palavras de Jesus, divinizou a pessoa de Cristo e antropomorfizou o divino,  transformando em um mero "ser" aquele (ou aquilo) que é insondável, inimaginável, aprisionando-o, ironicamente, nos limites do tempo e espaço.

A divinização da pessoa de Cristo esvaziou o conteúdo da sua mensagem.

A pós-modernidade tecnológica nos levou ao fundo do poço da desesperança, indiferença e niilismo, e a religião está à margem desta demanda espiritual: ou descamba para o fundamentalismo, ou para a intolerância, ou para a completa omissão com a raiz dos sofrimentos humanos, construindo templos vazios de sentido e propósito real.

A religião esqueceu-se de duas verdades fundamentais:

1."A religião pura e imaculada para com Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e guardar-se da corrupção do mundo" (Tia 1:27) - primeiramente compromisso com o outro em todas as áreas da existência humana (social, econômica, política, educacional, saúde, amparo, proteção, intelectual), depois um compromisso consigo mesmo de buscar a excelência em todas as coisas como um culto pessoal a um Deus que é essencial à vida.

2."Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança" (Gal.5:22) - Notem a singularidade: "fruto" e não frutos. Tiago coloca questões práticas da vida. Alguém que nasceu de novo é alguém que demonstra essa mudança com mudança de paradigmas.

Deus espera que a religião se converta!






quarta-feira, 30 de abril de 2014

A partir do NADA!

Até a antiguidade grega, acreditava-se que Deus era o organizador do cosmos, sendo este eterno como Aquele.
 
A busca por Deus se refletia, portanto, numa caminhada de reflexão e contemplação da natureza através da qual a alma humana se eleva até o encontro purificador e salvífico com o seu criador.
 
Com a ascenção do cristianismo ao patamar de religião oficial do estado romano (século IV d.C.), houve a necessidade de se definir uma teologia própria, oportunamente inquestionável, afinal adquirira status político e social. Era mister fundamentar uma identidade própria que estabelecesse uma mensagem objetiva, clara, de fácil  assimilação e que fosse ao encontro dos anseios dos interlocutores.
 
Neste contexto foram sendo firmados os dogmas da igreja ortodoxa: a divindade de Jesus, a santíssima trindade, o cânon, o culto à Maria, o celibato, etc.
 
Foi nesta época, também, que a ideia dos antigos filósofos gregos sofreu uma mudança radical: Deus não é mais o organizador (como pensavam) mas aquele que criou o cosmos à partir do...

Nada!
 
Em um momento qualquer, na atemporalidade de Sua existência, Deus resolveu criar todas as coisas, sem qualquer premissa anterior.
 
Porém, a partir desta nova forma de entender a criação como ato divino absoluto, dois problemas passaram a ser discutidos nos círculos daqueles que ainda resistiam a esta idéia:
 
1.Se nada existia antes, então o mal foi criação de Deus?
 
2.Se Deus criou todas as coisas, é possível dissassociar Deus do objeto criado, colocando o criador e a humanidade em lados opostos, surgindo como consequência, a figura do mediador, cuja atribuição passou a ser habilmente exercido pela igreja.
 
 
 
 
 
 
 
 

sábado, 26 de abril de 2014

A Ausência

A ausência derruba qualquer expectativa, apego ou pessoalidade, aponta para um vazio a ser preenchido, a certeza de que a verdade está além.

A ausência de Deus fez com que Israel buscasse Sua transcendência em cada época da sua existência, revendo, reinterpretando, atualizando e reinventando a Lei.


Quando Moisés recebeu a Torá Escrita no monte Sinai, imediatamente uma nova Torá teve início: a Torá Oral.

A Torá Oral não era a mera repetição da Lei (a Torá Escrita), mas as discussões posteriores em torno da Lei buscando ampliá-la e atualizá-la constantemente.

Na Torá Escrita, se considerava o que Deus DISSE!

Na Torá Oral, o que Deus ESTÁ DIZENDO?

Após a destruição de Jerusalém (70 d.C.) os judeus sentiram a necessidade de registrar essas discussões em torno da Lei, que era feita em escolas de rabinos, preocupados em que a tradição não se perdesse com a diáspora: editaram a Mishnah (século II).

Três séculos depois um novo grupo de rabinos entendeu que a Mishnah continha muitos pontos de difícil interpretação e que precisavam de uma nova adaptação aos novos tempos: publicaram o Talmud (que teve duas versões: o Talmud de Jerusalém (séc. V) e o Talmud da Babilônia (séc. VI).


É importante destacar que estas novas interpretações da Lei não tinham a pretensão de a substituírem, pelo contrário, eram um complemento dos textos sagrados, uma espécie de versão ampliada.

Foi desta forma que a fé de Israel sempre se manteve vida, atual, participante da história do povo, e não uma tradição distante e impessoal em que as pessoas deveriam acreditar fria e cegamente.

Os judeus tinham a consciência de que a Lei não era imutável. Adorar a própria Lei seria considerado um ato idólatra.

A bíblia identifica um momento histórico em que essa reinterpretação da Lei acontece: com Esdras, após o cativeiro babilônico (586 a.C.) - o livro de Deuteronômio significa "segunda Lei".

O Novo Testamento, como o nome diz, é o Testamento (velho) reeditado, ou seja, no início da era cristã os novos judeus convertidos interpretavam Jesus dentro do contexto do judaísmo (o messias), sem a intensão de criar uma nova religião ou crença, sendo Jesus, portanto, a nova esperança do Deus ausente que não esquecera do seu povo amado e que agora se manifestava cumprindo sua promessa ao enviar o Messias prometido aos profetas.

O próprio Jesus nos dá o exemplo de como é importante manter atualizada a Lei a partir de uma reinterpretação: "o sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado" (Marcos 2:27).

Constantino no Concílio de Nicéia (Séc. IV d.C.)
Tudo isso mudou quando um homem inteligente, culto e temperamental deliberadamente proclamou, através de um movimento solitário, o rompimento com o judaísmo: Paulo de Tarso. Movimento que, porém, deixou de ser solitário quando um imperador astuto aproveitou para proclamar, politicamente, uma nova religião: o cristianismo.







quinta-feira, 24 de abril de 2014

Um conto judeu!

Um dia o rabino Eliezer se envolveu numa acalorada discussão sobre um aspecto do ensinamento na Torá. 

Como seus colegas se recusassem a acatar sua opinião, ele pediu a Deus que confirmasse seu acerto com uma série de milagres:

Uma alfarrobeira se movimentou sozinha por quatro côvados; 


A água de um canal das proximidades correu para trás; 


As paredes da casa de estudo estremeceram violentamente, como se fossem desabar.




Mas os rabinos não se convenceram e até pareceram desaprovar a superprodução divina.

Desesperado, Eliezer pediu ajuda a uma voz celestial, que prontamente o atendeu: 

"O que tendes contra o rabino Eliezer? A coisa é assim mesmo como ele diz".

Sem se impressionar, um dos rabinos chamado Joshua se limitou a citar a Torá de Deus: 

"Porque este mandamento que hoje te ordeno, te não é encoberto e tampouco está longe de ti.
Não está nos céus, para dizeres: Quem subirá por nós aos céus, que no-lo traga e no-lo faça ouvir, para que o façamos?
Porque esta palavra está mui perto de ti, na tua boca e no teu coração, para a fazeres."
Deuteronômio 30:11-12-14

A Torá já não era propriedade do céu; ela descera à terra, no monte Sinai, e agora estava guardada no coração de cada judeu. "Por isso não damos ouvidos a uma voz celestial", Joshua concluiu com firmeza.

Dizia-se que, ao escutar isso, Deus riu e falou: 

"Meus filhos me conquistaram, eles cresceram. Em vez de aceitar servilmente opiniões impostas de cima, pensam por si mesmos." (1)


(1) Baba Metziah, A Rabbinic Anthology, pp. 340-I, citado por Karen Armstrong, (Idem) p. 101

quarta-feira, 23 de abril de 2014

"No Novo Testamento, "fé" é traduzido pelo grego pistis (da forma verbal pisteuo), que significa "confiança, lealdade, compromisso, dedicação".

Jesus não pediu para ninguém "acreditar" em sua divindade, porque não tinha pretensões à divindade. Queria dedicação.

Queria discípulos que se comprometessem com sua missão, dessem aos pobres tudo o que tinham, alimentassem os famintos, não se deixassem tolher por laços familiares,  abandonassem o orgulho e a arrogância, não se considerassem merecedores, vivessem como as aves do céu e os lírios do campo e confiassem em Deus, seu Pai.

Deviam comunicar a boa-nova do Reino a todos em Israel - inclusive às prostitutas e aos cobradores de impostos - e levar uma vida de compaixão, não restringindo sua benevolência aos respeitáveis e aos convencionalmente virtuosos.

Essa pistis consegue mover montanhas ao suscitar inesperado potencial humano." (1)







(1) Karen Armstrong, Em Defesa de DEUS (o que a religião realmente significa), Ed. Cia das Letras, p.98

domingo, 13 de abril de 2014

Gêneses, uma interpretação alternativa



A leitura tradicional do capítulo 3 do Gêneses ("A tentação de Eva e a queda do homem") nos remete ao Pecado Original: o homem desobedeceu a Deus e foi irremediavelmente expulso do paraíso.

Porém não era desta forma que os antigos interpretavam este relato.

O Gêneses não foi concebido para ser um relato factual, mas um mito a ser ritualizado nas gerações posteriores.

Não significa, em absoluto, que seja uma farsa, uma mentira deliberadamente concebida para enganar (como na interpretação moderna que se faz das leituras dos textos antigos), mas contém uma verdade profunda que dava sentido e propósito a uma crença coletiva.

O mito era a forma como os antigos não apenas faziam a leitura da realidade à sua volta, mas também como estavam inseridos nesta realidade.

O mito não era para ser acreditado, mas para ser vivido, incorporado, celebrado, a própria essência de uma cultura, seu conceito acerca da vida, do sofrimento, da morte. Era o mito que expressava algum propósito para a vida dos povos antigos naquilo que o logos (racional) não conseguia explicar.

O mito da criação, em Gêneses, era concebido como uma celebração da presença do criador entre os homens: Deus passeia no jardim... como um mortal, um igual.

Os antigos não acreditavam em um Deus no Céu, distante, separado de sua criatura, mas aquele com quem se podia falar face-a-face (no sentido da devoção, é claro).

O capítulo 18 de Gênesis relata um encontro entre Abraão e três varões, quando estava sentado à porta de sua tenda. Estes varões vinham  de uma longa jornada e Abraão os convida a descansar e comer. No decorrer da conversa, vem a grande revelação: um deles era o próprio Senhor, o Deus de Abraão. Um gesto de compaixão leva Abraão a ter um encontro com o divino.

O mito de Adão e Eva pode ser interpretado como o relato da natureza humana: a serpente representa a rebeldia, a compulsão para questionar; Eva representa a sede por conhecimento, a disposição em experimentar, a busca por uma vida livre de restrições; Adão demonstra nossa capacidade em não assumir responsabilidade por nossos atos.

Apenas com o advento do cristianismo a história de Adão e Eva passou a ser interpretado como sendo a teologia do Pecado Original. Uma interpretação muito a propósito do novo sistema institucional a quem interessava separar definitivamente Deus da Sua criação.

O homem, pecador, perdido, irreconciliável, passou a ser refém dos favores da igreja oficial (agência de Deus na terra) para obter algum conforto espiritual durante a sua vida miserável.

As consequências deste ato todos conhecem.


quinta-feira, 10 de abril de 2014

As águas da bíblia

Diversas culturas antigas associam as águas (principalmente o mar) ao princípio do caos.
 
 
 
 
Desde os Sumérios (3.500 a.C.), passando pela Babilônia, vários mitos que tentam explicar a criação emergem de uma tensão entre o caos e a ordem.
 
Na mitologia mesopotâmica, os primeiro a serem criados foram os deuses (a partir do que os antigos denominaram "elemento primordial", uma espécie de matéria-prima elementar).
 
Os primeiros deuses criados foram:
 
-Tiamat (Oceanos);
-Psu (o Abismo);
-Mummu (Caos).
 
Posteriormente outros deuses se sucederam progressivamente até o deus supremo chamado de Marduc (o Deus Sol).
 
Marduc entrou em guerra com Tiamat (o Oceano).
 
Vencido Tiamat, seu corpo foi dividido em duas partes, dando origem ao Céu e à Terra, criando posteriormente o homem a partir da mistura do sangue de um dos deuses vencidos com pó da terra (bem familiar, não é?).
 
O mito da ÁGUA (mar) como representação do caos a partir da qual a vida e a ordem emanam está presente não apenas na cultura judaica como em toda a escritura sagrada, senão vejamos alguns exemplos:
 
-A vida surge das águas (Gêneses) 
-O dilúvio (Gêneses)
-Travessia do Mar Vermelho (Êxodo)
-A conquista da terra prometida após a travessia do Rio Jordão (VT)
-Jonas, em desobediência, cai no Mar e é engolido pelo monstro (Jonas)
-O servo que se banha nas águas e fica curado (VT)
-O batismo de João Batista nas águas (Evangelhos)
-Jesus anda sobre as águas (Idem)
-Jesus acalma a Tempestade no mar (Idem)
-A Besta que surge do mar (Apocalipse)
 
Dos termos destacados acima (em negrito) podemos apreender que ÁGUA no contexto bíblico, pode ser associado a: vida, travessia, conquista, cura, renovação (batismo), poder, tranquilidade. Mas também pode ser associado a elementos do caos: dilúvio, desobediência, o mal (Besta). 
 
Esta explanação nos mostra uma coisa: o Gêneses bíblico encontra paralelo nos mitos das culturas mais antigas que povoaram a região da mesopotâmia, desfazendo a ideia de sua exclusividade e originalidade.
 
Não há, no entanto, qualquer desmerecimento, pelo contrário: mostra que Israel estava integrada à cultura de sua época até a adoção do monoteísmo; o mito era a melhor forma de transmitir verdade (associada a uma vivência ritualistica muito marcante para a comunidade) no mundo pré-moderno (portanto, pré-científico, pré-racionalista).
 
 
 
 





quarta-feira, 9 de abril de 2014

Paulo e "O Caminho" (Tao)


"Na busca do conhecimento, todos os dias algo é adquirido,
Na busca do Tao (Caminho), todos os dias algo é deixado para trás."

"Caminho" é um velho conhecido do apóstolo Paulo:

"Mas confesso-te que, conforme àquele Caminho, a que chamam seita, assim sirvo ao Deus de nossos pais..." At. 24:14

Também há outras referência de Paulo ao "Caminho" no livro de Atos: 19:23; 22:4.

A expressão chinesa do Tao (ou Dao), de onde deriva o Taoismo, refere-se ao "Caminho fundamental do cosmos. Como compreende a plenitude da realidade, o Tao não tem qualidades, nem forma; pode ser sentido, mas não visto; não é um deus; precede o céu e a terra e supera a divindade. Não é um ser, nem um não ser." (1)

Segundo alguns autores, o Taoismo é uma filosofia chinesa que remonta a cerca de 2000 anos a.C. Teria Paulo, homem sabidamente conhecedor de diversas culturas e tradições de sua época, se inspirado no Tao (Caminho) chinês para identificar, naquela nova "seita", a expressão da busca constante pela essência do insondável?


"Trinta raios convergem para o meio de uma roda
Mas é o buraco em que vai entrar o eixo que a torna útil.

Molda-se o barro para fazer um vaso;
É o espaço dentro dele que o torna útil.

Fazem-se portas e janelas para um quarto;
São os buracos que o tornam útil.

Por isso, a vantagem do que está lá
Assenta exclusivamente
na utilidade do que lá não está."


Tao Te Ching (道德經), Cap. 11


(1) Karen Armstrong, Em Defesa de Deus, p.31



segunda-feira, 7 de abril de 2014

Ao Deus Desconhecido

"Uma das condições para obter conhecimento sempre foi a disposição de abandonar o que pensamos que sabemos a fim de avaliar verdades que nunca sequer imaginamos." (1)

Uma frase de um filme me marcou bastante: "é preciso esvaziar o que está cheio e encher o que está vazio." 

Considerando que Deus é aquilo (ou aquele) que nem podemos imaginar, que é um erro afirmar que Ele seja um "ser supremo" conquanto Ele nem mesmo é um "ser", temos que partir do princípio de que aquilo que sabemos (ou pensamos que sabemos) sobre Ele é produto da percepção de uma época, uma cultura, um estilo, e deixar que a Sua suprema ausência preencha aquilo de que realmente precisamos hoje para voltar a praticar a fé e trazer de volta a religião ao lugar em que sempre esteve: o centro de toda a vida humana (social, política, econômica, ética e estética).

Israel mesmo passou por esta experiência quando o templo de Salomão, onde acreditavam que Deus habitava, foi destruído pelos Babilônicos e o povo arrancado de sua terra e de suas tradições. Os judeus, então, tiveram que "reinventar" Jeová. Nasceu o Deus da Torá, a Lei!

"Vemos, hoje, muito dogmatismo religioso e secular, mas também há uma crescente percepção do valor do desconhecido." (1)

Que o "Deus Desconhecido" nos revele hoje aquilo que sobre Si ainda há por ser conhecido (ainda que jamais da sua essência, mas pelo menos na sua contextualização contemporânea).

Amém!


(1) Karen Armstrong, Em defesa de Deus. p.18

segunda-feira, 31 de março de 2014

Os Reformadores

Ao contrário do que se pensa nas igrejas protestante, os Reformadores do século XV e XVI não estavam preocupados em reformar a Igreja, mas a SOCIEDADE.

O alvo de Wesley, Lutero, Calvino e outros era o distanciamento da sociedade dos princípios cristãos, da fé em Cristo.

Para alcançar este objetivo, então, era necessário, em primeiro lugar, mudar o homem; depois mudar a igreja, e só assim a sociedade seria alcançada.

Os reformadores tinham plena visão de que a missão de Cristo era estabelecer o Reino de Deus na terra. Portanto, uma missão social, ampla e completa da humanidade.

A retomada dos princípios bíblicos por Calvino conseguiu despertar, na cidade de Genebra, uma missão eclesiástica que, a partir de uma igreja interiormente reformada, influenciou todas as áreas da atividade humana (social, política, econômica, educacional, saúde pública, etc).

A Igreja atual, que se intitula "reformada", na verdade se distanciou dos princípios da Reforma, voltando às velhas práticas medievais de distribuição de bônus de entrada para o céu e garantia de prosperidade na terrena.

A igreja deixa de ser "sal" quando se torna um centro de distribuição de produtos de fé (um supermercado religioso) onde as pessoas vão habitualmente para consumir bem estar, alegria, perdão...




segunda-feira, 24 de março de 2014

Enquete!!!

"Paulo foi a irrupção do imprevisível na Igreja. Ninguém tinha pensado nele. Ninguém o preparou. Quando ele se tornou cristão, não souberam o que fazer dele e o mandaram de volta para Tarso. No entanto, quase toda a história cristã desde então teve a sua origem nele, enquanto quase nada permaneceu das obras dos Doze escolhidos por Jesus." (1)

Uma constatação aparentemente paradoxal.

O que representa o cristianismo sem os fundamentos lançados por Jesus e os seus apóstolos?

Um novo cristianismo foi estabelecido sem Cristo?

Cristianismo ou Paulinismo?



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(1) Comblin, José. Vocação para a Liberdade. São Paulo. Paulus. 1998, p.08.

Igreja e sociedade

Jesus veio estabalecer o Reino de Deus na Terra através da formação de uma nova sociedade.

Mas para que isso aconteça, é imprescindível a formação de um novo homem.

Portanto é esta a verdadeira missão da Igreja: completar a obra de Jesus.

Segundo Calvino, se a Igreja não têm esta visão global e completa, como agente de transformação integral (homem primeiro e sociedade depois), ela perdeu seu objetivo, sua função... o sal deixou de salgar, a candeia deixou de iluminar "a todos".

A Igreja não pode se restringir a ser um mero balcão de distribuição de prosperidade, cura e felicidade individual.



















Liberdade Calviniana

O conceito de liberdade é entendido comumente como o direito de fazer o que se quer, quando se quer, onde quiser e com quem quiser.

Liberdade não pode ser interpretada como uma atitude de ser livre de forma irresponsável e irrestrita.

O cristão deve viver sua liberdade a exemplo da liberdade de Jesus.

Jesus era livre...

Livre do ódio,
                       e por isso podia dar a outra face...
Livre do perconceito,
                                   e por isso podia amar o diferente...
Livre do apego à própria vida,
                                                   e por isso pode se doar...
Livre do pecado,
                            e por isso acolhia o pecador sem reservas...

A idéia de Calvino era a de que não se pode viver plenamente o cristianismo
sem LIBERDADE.

A Igreja que não cultiva a liberdade...
não cresce,
não recicla,
não se contextualiza,
não satisfaz plenamente as necessidades do cristão.

"O homem apresenta dimensão somática, psíquica, racional, individual, social, econômica, política, sapiencial, erótica, estética, histórica, técnica, ética." (1)

A Igreja que vê o homem apenas na sua dimensão transcendente, religiosa e emocional, está fadada a produzir crentes deformados, subservientes, falsos e inseguros.

(1) Arduini, Juvenal. Destinação Antropológica. São Paulo, Paulinas. 1989, p. 9.

quinta-feira, 20 de março de 2014

Secularização da fé

"Secularizar é o processo pelo qual, no final, a Igreja será somente uma parte do mundo entre tantas outras (instituições). Neste processo, ela é um estreito apêndice que o mundo pode até mesmo considerar necessário para sua complementação, mas não terá importância prática alguma em sua vida. Secularização é o processo pelo qual o 'sal' perde o seu sabor." (1)

Em um mundo pós-moderno, plural, onde a verdade se tornou em um mero produto a ser consumido ao gosto do freguês, dentre tantas "verdades" disponibilizadas no mercado, a Igreja perdeu sua importância histórica.

Refletir sobre isto é importante.

A religião precisa de uma nova Reforma, reinvindicando sua importância espiritual e sua função de influênciar em todos os campos da sociedade (política, econômica, social, educacional).

Alguns ritos e dogmas devem voltar para a prateleira de onde foram retirados: as culturas extintas do passado distante. Não o conteúdo, mas sua forma, seus símbolos, sua liturgia já não se identificam mais com o homem racionalizado, individuaista,  pessimista atual (porém tão vazio e carente como jamais foi).


Ecclesia reformata et semper reformanda est.



(1)Ribeiro, Cláudio de Oliveira. A Provisoriedade da Igreja... 1994, p.136.

quarta-feira, 19 de março de 2014

Razão, felicidade e liberdade

"O discurso moderno tem três temas principais: a razão, felicidade e a liberdade. Na modernidade tudo gira ao redor desses três temas. Pode-se dizer, porém: os três são bíblicos e cristãos. Contudo, os três foram e são apresentados como tipicamente modernos, alheios à tradição cristã, até opostos a ela." (1)


No lugar da razão, a igreja têm praticado a emoção; no lugar da felicidade, a teologia do sofrimento e resignação; no lugar da liberdade, o aprisionamento aos dogmas e tradições herdadas da idade média.

Uma célebre frase associado à reforma do século XVI é: Ecclesia reformata et semper reformanda est (A Igreja Reformada está sempre se reformando).

... sempre se reformando...

(1) Comblin, José. A força da palavra. Petrópolis: Vozes, 1986. p. 205

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

A Liberdade cristã (Calvino)

TOMO I

"...existe a necessidade de uma proclamação do evangelho significativa, relevante e capaz de estabelecer diálogo com seus interlocutores atuais, bem como estabelecer uma sociedade mais justa e mais igualitária, na qual os valores do Reino de Deus sejam vistos e vividos..."

Comentário:

Os princípios do humanismos, advindos com o Renascimento do século XIV, influenciaram significativamente os reformadores, principalmente Calvino. Ele aproveitou de alguns princípios básicos (o homem enquanto ser pensante, dotado de liberdade de escolha e capaz de mudar seu próprio destino) para negar a "autoridade papal absoluta e a hierarquia da igreja romana em assuntos religiosos" sem, no entanto, se afastar do princípio soberano da fé em Jesus Cristo e autoridade das Escrituras.


TOMO II
Os princípios defendidos por Calvino para sua igreja lograriam hoje "promover libertação e liberdade, na prática cristã, através do anúncio genuíno do Evangelho; provocando a desinstalação de uma religiosidade pós-moderna árida, superficial, pragmática, com fortes evidências fundamentalistas, vencida pelas leis de mercado que regem as relações humanas, tornando-a vazia de sentido existencial".

Comentário:

O tema central da reforma calvinista era a liberdade. O homem deve ser livre para pensar, para escolher, para ser responsável pelos seus atos e suas decisões. Porém esta liberdade deve ser vivida na fé em Cristo e pautada nos princípios libertadores das Escrituras.


TOMO III

"Na prática do Evangelho libertador de Jesus Cristo, homens e mulheres não estarão alienados do seu tempo, ao contrário, com os corações cheios de esperança escatológica, serão agentes de transformação histórica."




Fonte: A Liberdade Cristã em Calvino, Marcos Azevedo, p.168.

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